08 outubro, 2010


Nascera praticamente perfeita. E a vida tratou de lhe proporcionar o necessário e mais um pouco. Seu único infortúnio [e de sua mãe] era que, quando criança, apesar dos eucromáticos olhos azul-piscina, não possuía cílios. Obsessão. Passou a arrancar as bordas das pálpebras de suas bonecas e das bonecas de suas amigas. Compulsão. Não bastasse, surrupiava as pestanas de bonecos nas lojas. Fato incrível, coincidência ou não, começaram a lhe nascer cílios, e quanto mais cílios colecionava, mais cheios e compridos ficavam os seus. Paranóia.

Ela possuía um brilho raro no olhar. Sorria com os olhos. Seduzia os desavisados que a olhassem profundamente naquela imensidão azul. Assim, ele foi pego. Desprevenido. Como se o desejo de atirar-se de um penhasco -- direto ao mar profundamente azul -- fosse maior que tudo, atirou-se. Assim, ele foi pego pelos olhos dela. A resposta veio no segundo encontro. Um perfeito encontro de corpos.

Um desejo assomou-se irrefreadamente aos seus dias. Queria a gravidez mais que tudo. Dias, semanas, meses se passaram e a impaciência que lhe era companheira apareceu como uma goteira em dia de chuva torrencial. Psicose. Querendo muito ser mãe, matou a sua.

04 outubro, 2010

29 setembro, 2010

Noite

couple_by_djbabydyke @deviantart

Há um mundo rarefeito
emergido da tua voz
que passeia no meu íntimo
em eufonia

Súbito vento em cabelos azeviche
mudam a direção cadenciada
na dança de mãos

Colada em tua boca
devoro o todo
sorvo as sobras
e teu perfume
seguro em minhas pétalas
a catarse da vertigem

Em outra dimensão
- desnuda -
sou a lua

Por ser efêmero o gozo
Basta teu olhar
E a noite existe.

28 setembro, 2010


No primeiro ato, as cortinas se abriram e ela admirou a platéia. Tons surdos a abraçaram nos segundos que precederam o beijo. Calmaria. Pareceu-lhe que deus criou o mundo com a mão esquerda e abstraiu o íntimo das ruas em convulsão, ao final do dia. Seguiram-se aplausos, tombados pela tragicofilia coletiva. Paradoxos. Viu-se a própria Carmem [de Bizet]. Todavia, percebeu-se apaixonada. Ar-re-ba-ta-do-ra-men-te. Não era hora para mimeses de encanto. Minutos suspensos. Cerrou os olhos para dedilhar os vapores se esvaindo de sua promessa romântica. Encontrou forças e fechou as cortinas antes do último ato. Virou-se sem olhar pra trás pra retornar ao seu deserto epicuriano.

27 setembro, 2010

[epitáfio]

Epitaph_by_phantasiegestoert @deviantart.com

a primeira vez que morri
foi de saudade.

a partida é flácida
e não há verso
que traga sentido

entremeada pela imagem
já granulada
empalideço habitada
pelo vazio

26 setembro, 2010

eu, líquida

Liquid_2_by_LiquidMark @deviantart.com

nem mesmo sei
por quem o destino sopra
ele é volúvel
e - num átimo -
lança vapores
de amores lúgubres
doçura em farpas
flechas arteiras
depois desvela
espumas lancinantes
de horas suspensas
saudade intensa

e eu fico líquida
escorro pelas entranhas
oculto o vício
teço artimanhas
pra disfarçar
esta cizânia

24 setembro, 2010

Coisas Frágeis

blue_moon_by_piciulik @deviantart.com

na noite fria
de um azul aflito
era eu a edícula
de teus calados anseios

coisas frágeis
segredos vagos
nas paredes retorcidas
d’um fado desvelado

a navalha da verdade veio
do silêncio que não cala
quando me deixastes
pra sombra de uma lua amarrotada

21 setembro, 2010

último dia

último dia para o fim do mundo
e não encontrei ninguém
que coubesse nos meus sonhos

é tarde...

e o céu
está com seu pano azul descorado
as estrelas
não se equilibram mais
com a ponta dos pés sobre a poesia

desbotaram os sentimentos
e a ilusão perdeu a memória
pra que não se frustrem mais
meus desejos impossíveis
de possibilidades contraditórias

20 setembro, 2010

Diálogo fúnebre

Let Wisdom Guide by Adam Howie
Disse-me a Morte
que a sorte
não é sequer
contorno de linhas perdidas

o amor
a busca de uma sombra no arvoredo,
que seja igual à minha

e a felicidade
é Vê-la chegar
e sem medo
entregar-se
num suspiro
de saber
Ter Sido

16 fevereiro, 2010

Opostos


Gosto de Opostos
daqueles com Gritos
ou Silêncios
no meio da Multidão

Delicio-me ao ver
a Beleza da Dor
ou o Visco que há
na singeleza do
Fim do Amor

Rio-me da Dicotomia
entre a Paz e a Guerra
arriscada pelo Estopim
de uma Centelha

e

Valho-me da Certeza
que o Tudo
completa o
Nada

E que sem os Opostos
o Mundo se Acaba


Caroline Schneider