26 maio, 2006

Muitas vidas


Marco ficou na ponta dos pés. Apesar de estar maior do que no mês anterior (sua mãe vive dizendo que cresce feito batatinha...), não conseguia enxergar através da janelinha da porta. Olhou pra trás, e, como não via ninguém, adentrou o quarto onde seu avô, já muito pálido “pela falta de sol”, como explicava. Estava recostado, lendo.

Seu Savassi olhou por cima dos óculos, e foi como se o sol se abrisse num dia nublado... seu sorriso expressou sua alegria ao ver seu neto tão amado. “Já é quase um homem”, pensou.

O filho de sua única filha se aproximou e, como sempre fazia desde pequeno, beijou-lhe a testa.

A conversa entre eles, apesar da tamanha diferença de idade, fluía. Sempre tinham muito a dizer e contar um ao outro. Eram bons amigos. E dessa vez não foi diferente: Marco queria saber como seu avô conhecia tantos lugares e sabia tantas coisas do mundo...

Foi então que seu Savassi contou-lhe que, durante muitos anos, vivera em países distantes, conhecendo lugares surpreendentes e línguas e culturas maravilhosas...

Sua primeira paixão, a França. Contou-lhe sobre Paris, seu cafés, suas gente. Depois, discorreu sobre o Egito, com suas pirâmides, seus monumentos e toda a história e os mistérios contidos lá. Falou sobre a Inglaterra, a Índia, e muitos outros países com riqueza de detalhes. Mencionou as comidas, os cheiros, as artes, a música, as enebriantes sensações.

Em sua imaginação, Marco fez uma rápida viagem, na qual visualizava cada ponto turístico, imaginava as pessoas, os costumes, as diferentes línguas...

Estava admirado. Sabia que seu avô tinha muita cultura, mas também sabia da situação financeira da família. Como seu avô poderia ter ido a tantos lugares? Conhecer tantas línguas? Ter experimentado tantas comidas diferentes? E por que nunca lhe contara nada? Nem vovó e mamãe! Por que nunca comentaram nada com ele?

Ele precisaria de muitas vidas para tudo isso, concluiu.

Vendo o questionamento no olhar de seu neto, Savassi pousou um olhar pensativo no horizonte e, como se estivesse recordando bons momentos, disse-lhe:

- Venha cá, meu filho. Quero dar as passagens para que você possa também conhecer tantos lugares. Está naquele canto. Vá até lá e pegue.

Marco não pode conter a ansiedade e correu ao local indicado pelo avô, chegando a uma pilha de livros. Os títulos, os mais variados: “Conheça Paris”, “Viaje à Europa sem sair do lugar”, “Mistérios do Taj Mahal”,...

Marco compreendeu. Virou-se para seu avô. Queria agradecer-lhe... mas este já havia partido para sua última viagem...

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